Durante
o ano de 2007, Antônio de Pádua dedicou-se silenciosamente
ao desenvolvimento de um novo modelo de violão clássico.
Assim, buscando diferentes sonoridades, um timbre mais equilibrado
e maior potência sonora, foi criado um instrumento que combina
a escala elevada, o que aumenta o ângulo das cordas em relação
ao tampo e uma estrutura harmônica do tipo "lattice bracing".
Este instrumento recebeu o nome "Capella", por motivos
fascinantes e emocionantes que o prezado leitor não se decepcionará
ao descobrir, se nos der o prazer de acompanhar as histórias
que narramos a seguir.
Antônio
de Pádua é astrônomo amador desde a sua juventude.
Ao observar o céu
com
seus amigos
diletantes da Ciência de Galileu,
inevitáveis
reflexões filosóficas acompanhadas de narrativas
mitológicas,
místicas e poéticas sempre estiveram presentes.
Afinal, o que
é a arte
senão a "intensificação da realidade"?.
Nestes momentos de admiração das luzes antigas
e distantes que pendem da abóbada
celeste, uma certa região, ricamente povoada por astros
de diversas categorias, sempre foi observada com especial
admiração.
Ali, próximo à constelação de Touro,
onde se encontra Aldebarã,
uma das rainhas das todas as estrelas, também próximo
a Órion e Gêmeos
e quase contendo a enigmática aglomeração
de zéfiros cósmicos
chamada Plêiades, encontra-se constelação
de Auriga (O Cocheiro).
Em Auriga
cintila uma estrela que há milênios
habita o imaginário de vários povos do mundo. O nome
desta estrela é "Capella", ou Alfa de Auriga, o
astro mais brilhante desta
constelação. Na verdade, Capella é um sistema
binário,
ou seja, são duas estrelas: a maior brilha 80 vezes mais
que o nosso Sol e é orbitada por uma estrela menor que brilha
quase tanto quanto sua irmã gigante.
Já na
descrição ptolomaica do Universo, Auriga figurava entre
as constelações mais importantes do céu, sendo
uma de suas estrelas compartilhada com a constelação de Touro.
Capella
é uma palavra do latim que significa "pequena cabra".
Em concepções
artísticas medievais, esta cabritinha se encontra gentilmente
amparada pelos braços do Cocheiro.
Representação
artística de Auriga.
Para
os antigos gregos, Capella se chamava Amalthea, e foi a cabra-ninfa,
ama-de-leite de Zeus quando este ainda era um deus-bebê.
Naturalmente, esta lenda foi adaptada pelos romanos, substituindo
Zeus por Júpiter. Curiosamente, Amalthea tinha uma irmã gêmea
chamada Adamathea que, fugindo com a criança a pedido de Rhea,
mãe de Zeus, irmã e consorte de Chronos, o impiedoso
devorador de seus filhos, escondeu a criança em uma caverna.
Disfarçando
seu choro com os passos e golpes dos soldados (anjos?) em seus
escudos, a desdobrada imagem da segunda mãe, garantia a segurança
do menino, que viria a ser o deus do mundo encarnado. A força
desta imagem é assombrosa, pois como pode existir
um ser que alimentou com sua própria
substância
aquele que se tornaria
o deus dos deuses, aquele que tudo pode, a tudo governa?
A
infância de Zeus - Jordaens, 1640.
Ainda
entre os gregos e romanos, contava-se que o menino Júpiter
acidentalmente quebrou um dos chifres da Cabra, o qual originou
a chamada Cornucópia, um recipiente mágico que poderia
conter todo o tipo de riquezas e alimentos. Certamente, estes mitos
carecem de uma interpretação filosófica e religiosa mais
profunda, a qual não nos atreveremos aqui. Entretando, a
duplicidade da Cabra está evidenciada: saberiam os gregos que
esta estrela, na verdade, eram duas estrelas?
Para
os hindus, Capella simboliza o "coração de Brahma". Os aborígenes
australianos em sua rica astronomia, por sua vez, atribuem à
esta estrela o nome "Purra", o canguru que foi possuído e morto
pelo caçador Órion.
Pintura
rupestre australiana mostrando a figura de Purra, o Canguru Sagrado.
Para
os cabalistas e astrólogos medievais da Europa e do Mundo Árabe,
Capella se encontra entre as 15 estrelas especialmente úteis
para os rituais mágicos e cujos poderes seriam invocados com
o auxílo de símbolos cabalísticos específicos.
A história
mais emblemática relacionada a Capella talvez seja aquela encontrada
na narração
do estudioso espírita brasileiro Edgard Armond
em sua obra entitulada "Os
Exilados de
Capella", na qual é revelada a concepção
espírita
das origens dos povos
adâmicos: teriam vindo para a Terra hordas de espíritos
recalcitrantes na evolução moral, outrora habitantes
de um planeta que orbita esta estrela. Ainda segundo o espiritismo,
o próprio Jesus Cristo
veio mais tarde daquele planeta para auxiliar a humanidade no
Caminho para a Luz.
A
criação de Adão - Michelangelo, 1511.
Os sufis,
monges ascetas do Islamismo, apresentam uma maravilhosa
narrativa que relaciona a entrada dos espíritos no planeta Terra com a
origem da música. Contam
estes religiosos que os espíritos rebeldes se recusavam terminantemente
a entrar
na Roda das Encarnações, pois sabiam das agruras que
os aguardavam. Então,
o Senhor Deus de Abrahão, em sua infinita sabedoria fez existir
a música. Assim, ao perceberem que algo diferente acontecia
na atmosfera terrestre, os espíritos foram seduzidos pela maviosidade
das
flautas dos ventos e pelos tambores dos trovões, resignando-se
diante da senda evolutiva determinada pelo Criador para a anulação
do egoísmo. Lembremos que a música se manifesta pela
vibração
mecânica, o que só é
possível no mundo
material.
Ainda
na mitologia sufi podemos encontrar outra narrativa que, independente
de ser ou não corroborada por linguistas, traz uma mensagem
de profunda sabedoria. Segundo este relato, a origem da palavra
"música" está na frase que Deus falou ao coração
do profeta Moisés:
"Muse que!", palavras que no hebraico significam "Moisés,
ouça!".
Neste momento, o profeta recebeu de forma sensível os ensinamentos
sagrados ao ouvir, do alto do Monte Sinai, os sons que ali chegavam
vindo da planície: o canto dos pássaros, os pastores
a tanger seus rebanhos, as vozes de crianças a brincar, os gritos
de ódio
e intolerância, os lamentos dos desesprados. Moisés
"ouviu" o seu povo e assim pôde levar a todos conforto
e esperança no
encontro da Terra Prometida.
Fundindo
todas estas histórias, sem a pretensão de se unificar
tanta sabedoria disfarçada em alegorias, mantendo-se apenas o
desejo de se homenagear a
"Divina Arte", que lida com elementos essencialmente transcendentais
por
serem invisíveis - sons e silêncios - decidiu-se dar o
nome Capella a este instrumento desenvolvido
no atelier de Antônio de Pádua. Por tudo que esta estrela
significou para os povos do mundo e pela ligação entre
a luz, o som, a mitologia,
a ciência e a poesia que sua companhia luminosa nos proporciona
sempre que olhamos para o céu na direção de
Auriga.